Entre um compromisso e outro, ele checa
os e-mails e torpedos, troca ideias no Twitter e aumenta o volume do
rádio para ouvir as últimas notícias. E, sempre antenado, acompanha com
interesse as manifestações que se espalham na cidade e no país.
Assim, como um jovem idealista que vive
as rápidas transformações do século XXI, ele usa a rede e toda a
tecnologia disponível para transmitir, além dos limites geográficos, a
fé que aprendeu ainda menino. Ele é dom Orani Tempesta, o arcebispo do
Rio de Janeiro e o artífice que trouxe para a cidade um dos encontros
mais importantes realizados atualmente pelo Vaticano, a Jornada Mundial
da Juventude.
Enquanto coordena os preparativos do
evento que mobilizará dois milhões de fiéis do Brasil e do mundo, dom
Orani sintetiza a importância dessa ocasião para o Rio:
— Este é o momento para que os jovens
possam encontrar valores importantes para suas vidas, conhecendo outros
jovens que dão testemunho de que vale a pena caminhar fazendo o bem. A
jornada será também a possibilidade de eles viverem a experiência de se
encontrar com Cristo e perceberem que é possível realizar o sonho de um
mundo mais humano, melhor.
De uma família de imigrantes italianos,
Orani João Tempesta nasceu em junho de 1950 na pequena São José do Rio
Pardo, no interior de São Paulo, uma cidade genuinamente religiosa.
Coroinha na infância, ele esperou terminar o colegial para informar à
família que seguiria a vida religiosa.
— Sempre há alguma resistência na
família, e na minha não foi diferente. Mesmo depois de perceber a minha
vocação, esperei uma idade mais adulta para anunciar — conta o
arcebispo, confirmando a revelação feita dias antes pela prima
Aparecida, que ainda vive em São José.
— Ele é o mais falante de uma família de
pessoas de poucas palavras. Uma pessoa maravilhosa, mas quando disse
que queria ser padre, a família não gostou, não — conta a prima, para
depois falar sobre o orgulho que hoje toda a cidade tem de seu filho.
Segundo dados do IBGE, 81,31% dos habitantes de São José do Rio Pardo são católicos.
— Ainda é assim? — pergunta o arcebispo do Rio, distante há 15 anos da terra natal.
Cidade tem 51% de católicos
Ordenado aos 24 anos, ele foi o terceiro bispo de São José do Rio Preto e o nono arcebispo de Belém do Pará:
— Belém é o lugar em que a fé se tornou
cultura, e até hoje é assim. Está em tudo. É comum lá que a imagem de
Nossa Senhora de Nazaré seja um símbolo e esteja estampada até em postos
de gasolina.
Especialista em comunicação, dom Orani
foi o presidente da Comissão Episcopal para a Cultura, Educação e
Comunicação da CNBB, por dois mandatos consecutivos, de maio de 2003 até
maio de 2011. Em 27 de fevereiro de 2009, o Papa Bento XVI nomeou-o
arcebispo do Rio, uma cidade que, segundo a mesma pesquisa do IBGE,
tinha em 2010 3.229.192 católicos, ou 51,09% de sua população.
Defensor fervoroso da fé carioca, dom
Orani garante que, para além do futebol, da praia e do carnaval, a
população do Rio tem uma alma religiosa:
— As pessoas conhecem o Rio
superficialmente. Por sua beleza, pelo carnaval, suas praias, e não
imaginam a alma carioca. Nós temos cerca de 280 paróquias, com várias
igrejas que estão sempre cheias nos fins de semana. E se você for a
qualquer igreja do Centro durante a semana, vai ver que está lotada.
Qual a cidade onde as pessoas aproveitam a hora do almoço no trabalho
para ir à missa?
Dom Orani chegou ao Rio em um momento
importante de mudanças na segurança da cidade, com ocupações para
pacificação em várias comunidades. A primeira providência foi criar o
projeto “Rio Celebra”, para aproximar os católicos da igreja. Uma vez
por mês, dom Orani ou um dos cardeais da Arquidiocese realiza missa em
uma das paróquias da cidade. A missa é transmitida pela Rádio Catedral.
— É para que os fiéis que não têm como
ir à missa possam ouvir a palavra de Deus. E também é uma maneira de a
Arquidiocese estar próxima de suas paróquias — explica.
Dom Orani garante que já conhece a
maioria das comunidades. E, como todo bom paulista que chega ao Rio, já
se perdeu inúmeras vezes no caminho até seu rebanho:
— Na verdade, não fui eu, e sim o
motorista — brinca. — Cada comunidade tem suas características, sua
história. Mas em todas eu vi igrejas cheias. Eles não podem frequentar a
paróquia durante a semana porque são trabalhadores e chegam tarde. Mas,
nos fins de semana, estão todas cheias.
Protestos não alteram Jornada
A ideia de transformar o Rio na cidade-sede da JMJ surgiu assim que ele pôs os pés aqui:
— O Brasil havia sido escolhido para a
sede da jornada, mas ainda não tinha a cidade. Achei que o Rio tinha uma
certa obrigação de se candidatar devido ao lugar que é, seu jeito de
ser, de acolher tantos eventos. E se fosse vontade de Deus, isso
aconteceria. Então, pedi licença aos bispos e ao Conselho Presbítero, e
também pedi cartas de apoio ao prefeito, ao governador, ao presidente
Lula e, depois, à presidente Dilma. Tive ainda um apoio importante do
cardeal dom Eugenio Salles, que escreveu uma carta muito bonita — conta
dom Orani.
Embora não seja possível prever a repercussão do evento no futuro da cidade, dom Orani já tem uma certeza:
— Não dá para saber se teremos mais
católicos, mas com certeza, lideranças em todas as paróquias já se
mostram empenhadas para fazer da Jornada um grande encontro de fé.
Com relação aos protestos que varreram o
país nos últimos dias, na quarta-feira dom Orani falou à rádio do
Vaticano que as manifestações “acontecem em locais específicos da
cidade, com a polícia presente”.
— Nesse sentido, devo lembrar a todos
que a Jornada é um evento positivo de uma juventude que possui valores
cristãos, que também quer mudar o mundo — afirma o arcebispo,
ressaltando que as manifestações não afetam a organização do evento.
Para o pesquisador e professor de
Teologia da PUC do Rio Paulo Fernando Carneiro de Andrade, a escolha de
dom Orani para o Rio foi providencial.
— Foi fundamental, porque ele é um homem
de comunicação, ele tem essa preocupação de buscar a linguagem para a
aproximar os fiéis da igreja — explica.
O próprio dom Orani define de forma mais simples sua missão:
— Você tem de encontrar a maneira mais
direta, saber a linguagem do mundo de hoje, para falar sobre a verdade
que precisa ser conhecida.
Fonte: Elenilce Bottari - O Globo
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